O rodeio é cultura, sim, mas cultura não pode ser sinônimo de negligência.
O chão de terra batida da arena ainda guarda as marcas dos cascos do touro e o eco do último grito de José Thaysson, 20 anos, peão que não resistiu ao pisoteio em um rodeio em Nova Ubiratã, Mato Grosso. Sua morte não é apenas mais uma estatística no mundo dos esportes de risco; é um corte profundo na carne de uma tradição que, muitas vezes, esquece de proteger aqueles que a sustentam.
Como bem destacou o advogado Dorival Alves de Sousa, "a legislação brasileira já estabelece um seguro obrigatório para peões de rodeio, mas a realidade mostra que a maioria dos eventos ainda negligencia essa obrigação". A Lei 10.220/01 existe, mas quantos Thayssons precisam morrer para que ela seja cumprida?
A Dor que a Plateia Não Vê
Enquanto o público vibra com os oito segundos de coragem, poucos enxergam a vulnerabilidade por trás do gibão. Peões como Thaysson não são apenas atletas; são filhos, pais, irmãos — gente que arrisca a vida por paixão, por tradição, ou simplesmente por necessidade. A mãe que espera em casa não quer ouvir sobre "heróis da arena"; ela quer o filho vivo.
O rodeio é cultura, sim, mas cultura não pode ser sinônimo de negligência. Como escreveu o poeta Mario Quintana: "A morte é a ausência definitiva do riso. E o riso é a única resposta à morte." Que riso resta à família de Thaysson?
O Debate que Ninguém Quer Enfrentar
Há quem defenda o rodeio como manifestação cultural intocável. Outros o veem como esporte cruel, para homens e animais. A verdade talvez esteja no meio: se ele existe, que seja com dignidade. Que haja seguro, estrutura médica, treinamento e fiscalização — como bem aponta Dorival Sousa, não é apenas uma questão de lei, mas de humanidade.
Enquanto estados como São Paulo avançam na regulamentação, outros ainda tratam a vida dos peões como moeda de troca. Quantos editais de licitação ignoram a segurança? Quantos promotores priorizam o espetáculo em detrimento da vida?
Valia a pena?
A Arena Dream Team lamentou a morte de Thaysson, chamando-o de "amigo e irmão de arena". Mas palavras não devolvem um filho. Não apagam o vazio na mesa de jantar.
Que essa morte não seja em vão. Que sirva de alerta para que nenhum peão precise morrer para que as leis sejam cumpridas de forma geral. Como diz o provérbio africano: "Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caça sempre glorificarão o caçador."
Que a história de Thaysson não seja apenas mais uma narrativa de coragem, mas um chamado à responsabilidade. Porque, no fim, o que fica não é o troféu, mas a pergunta: Valia a pena?