Análise sobre a morte tendo como ponto de partida a postura de Camila Trevisol, rainha de Rodeio, diante do evento.
A morte sempre nos desconcerta. Ainda que uma das poucas certezas da vida, continua sendo um tema evitado, silenciado, temido. Não por acaso: estudos, como o da Chapman University (EUA), mostram que o medo da morte está entre os mais comuns entre os seres humanos — mais do que o medo de desastres naturais, fracasso ou rejeição. Afinal, ela nos confronta com o desconhecido, com a perda e com o fim. Mas, de tempos em tempos, surge alguém que escolhe encarar esse momento inevitável com uma postura que nos cala e nos ensina.
Foi assim com Camila Trevisol, jovem de apenas 22 anos, eleita a Rainha da Festa do Peão de Americana, um dos maiores rodeios do país. Com um sorriso marcante e uma presença que cativava multidões, Camila travou uma batalha pública e corajosa contra o câncer. Quando a doença venceu o corpo, não venceu o espírito. Ela partiu nesta quarta-feira, 23, deixando uma carta que é, ao mesmo tempo, testamento, despedida e lição de vida.
"Já cumpri meu papel aqui na terra... meu papel foi inspirar e influenciar vocês sobre a vida", escreveu Camila. Palavras que ecoam como uma missão cumprida, mesmo em sua brevidade. Em um tempo em que se valoriza tanto a aparência, o sucesso e a performance, ela escolheu valorizar o que é essencial: a presença, a gratidão, o amor.
A morte, em Camila, não encontrou alguém rendido. Encontrou alguém em paz. E isso nos lembra de uma verdade bíblica muitas vezes esquecida: a fé não nos livra da morte, mas nos prepara para enfrentá-la com dignidade e esperança. Em sua segunda carta a Timóteo, o apóstolo Paulo escreveu: “Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé” (2 Tm 4:7). Para ele, morrer era lucro (Fp 1:21), pois sua vida já havia sido entregue por completo ao propósito de Deus. Assim também viveram os "heróis da fé", listados em Hebreus 11, que mesmo sem verem o cumprimento de todas as promessas, morreram crendo, com coragem, com esperança no invisível.
Camila não citou versículos, mas viveu o evangelho na prática: a coragem em meio à dor, a generosidade ao se despedir, a serenidade ao reconhecer seus limites. Como escreveu o teólogo Dietrich Bonhoeffer, mártir do nazismo: “A morte é o último festival na jornada cristã.” Não porque ela seja doce, mas porque, para quem tem fé, ela não é o fim — é passagem, é encontro.
Outros nomes da história ecoam esse mesmo espírito. Joan of Arc, que foi queimada viva, afirmou pouco antes de sua morte: "Cada homem dá sua vida pelo que acredita. Às vezes as pessoas vivem por aquilo. Outras vezes, as pessoas morrem por isso." Martin Luther King Jr., na véspera de seu assassinato, declarou: “Eu estive no topo da montanha... e não me preocupo com nada. Eu não temo nenhum homem. Os meus olhos viram a glória da vinda do Senhor.”
Camila, à sua maneira, se une a esse grupo de almas que transformam a dor em testemunho, o fim em semente, o medo em mensagem. Sua carta permanece como um legado digital e espiritual, um lembrete de que a vida é curta demais para ser vivida no automático — e de que é possível partir com leveza, se o coração estiver cheio de amor e missão.
A teologia cristã não romantiza a morte, mas a ressignifica. Em Cristo, a morte perdeu seu aguilhão (1 Co 15:55). Não é mais o terror absoluto, mas a porta para a eternidade com Deus. Camila acreditava nisso. E viveu à altura dessa fé.