A incrivel história de Sia Godkika, hoje com 17 anos.
Sia Godika tinha 13 anos quando reparou nos pés descalços dos filhos pequenos dos trabalhadores da construção num estaleiro de obras perto da sua casa, no elegante bairro de Koramangala, em Bangalore, na Índia.
«Andavam descalços. Com os pés magoados. Duros. Sujos. A sangrar», recorda Sia, agora com 17 anos. «Caminhavam por ali, um estaleiro de obras, como se fosse normal para eles.» E era. Naquele momento, Sia tomou consciência do contraste preocupante com os seus privilégios. «Regressei a casa, olhei para os meus pés e pensei: “Uau, tenho 13 anos. Tenho os pés tão macios. Estes miúdos têm 7 ou 8”.» Descreve que abriu a porta do roupeiro e viu sapatos – muitos deles já não eram usados há meses ou anos – empilhados até cima. Dirigiu-se depois ao roupeiro da mãe e teve – literalmente – de limpar as teias de aranha de alguns sapatos. Depois, foi dá-los às crianças com quem se cruzou no estaleiro.
Mais tarde, com a ajuda dos pais e de voluntários da comunidade, Sia fundou a Sole Warriors, uma instituição dedicada a doar sapatos aos mais pobres, que tem a sua epítome no lema: «Doe uma sola. Salve uma alma.»
A ideia, que nasceu numa conversa ao jantar com os pais, cresceu depressa. Depois de espalhar a palavra através de cartazes e grupos de WhatsApp, começaram a chegar em massa as solicitações de quem queria ajudar.
Durante meses, Sia conciliou os trabalhos escolares e o projeto a que se dedicou com paixão. «Ficava acordada até às 2 da manhã a criar folhas de Excel para ver quais os prédios de habitação que podíamos abordar (para doações) e a contactar pessoas.»
Atualmente com cinco anos, a organização realiza campanhas de distribuição em que a Sole Warriors recolhe calçado usado, recupera-o (com a ajuda de uma cadeia internacional de sapateiros) e doa os sapatos às pessoas necessitadas.
E essa necessidade – diz Sia – parece não ter fim. Num mundo onde a metade mais pobre da população detém apenas 2% da riqueza, estima-se que cerca de 300 milhões de pessoas não têm dinheiro suficiente para andar calçadas. Em contrapartida, dos quase 24 mil milhões de sapatos que se produzem no mundo todos os anos, cerca de 90% acabam em aterros sanitários.
Na primeira campanha de distribuição a Sole Warriors recolheu e distribuiu 700 pares de sapatos. Hoje, o número ronda os 28 mil, em quatro países, incluindo os Estados Unidos, China e Libéria, e muito graças ao trabalho árduo de um «núcleo duro» de cerca de 80 voluntários.
Mas a organização não esteve isenta de desafios enquanto crescia. Ao procurar colaboradores – como a empresa que faria gratuitamente as reparações no calçado, cosendo-o e limpando-o para que parecesse novo –, Sia enfrentou revés atrás de revés até firmar uma parceria com a Pressto Cobbler, na Índia.
«Tendo apenas 13 anos e lutei contra o preconceito porque as pessoas estão menos disponíveis para me ouvir», diz a jovem.
Em reconhecimento do impacto da sua iniciativa, em 2021 Sia recebeu o Prémio Diana, atribuído a pessoas com idades entre os 9 e os 25 anos, em memória da falecida princesa de Gales. Concedido pela organização homónima com sede no Reino Unido, é uma das honrarias mais prestigiantes que um jovem pode receber na área da ação social e trabalho humanitário.
Mas o trabalho não está terminado. «O objetivo sempre foi chegar ao milhão de pés», afirma.